O vento uivava com a voz da morte...
O vento uivava com a voz da
morte. Hautala puxou sua capa para mais próximo de seu peito conforme o grande
barco se aproximava da praia de águas geladas. O ar estava frio, congelante,
mas não tão frio como os olhares intensos que sentia com sua nuca. Como um
finlandês, estava constantemente ciente da necessidade de provar seu valor para
seu bando de nórdicos ferozes. Erik, o Lobo, se movia com facilidade pelo convés congelado
para ficar ao lado de Hautala, seu segundo em comando. Os calafrios se
intensificaram.
“Você tem certeza de que esta é a
ilha correta?” Erik rosnou.
Hautala vacilou. “Sim, Capitão.
Esta é a única ilha que eles poderiam ter alcançado antes do nascer do sol
desta manhã. Erik jogou sua capa de lado, mostrando seu desdém com o frio e com
seu segundo em comando, e ignorou o gelo que instantaneamente começou a se
formar em sua túnica de couro. Ele não
era conhecido como “Lobo” simplesmente por sua sede de sangue em batalha, mas
também por seu temperamento em todos os outros assuntos.
“Mas chegamos a tempo?”
Hautala hesitou, incerto da
reação que sua resposta verdadeira provocaria. Mas sua honra exigia que
dissesse a dura verdade a qualquer preço.
“Capitão, temo que mesmo agora já
seja tarde demais. Os vargr certamente mataram sua filha ou a transformaram
numa deles. Eu rezo para que ela esteja morta.
A enorme mão de Erik esmagou o
gelo na capa de Hautala conforme puxou o homem para perto de si.
“Guarde sua língua, Hautala. Ou
eu a removerei e a darei para meus cães. Minha filha está viva e bem. Eles a
levaram por um resgate. Tenho certeza disso. Se eles a feriram de alguma forma,
nem mesmo Odin encontrará o suficiente de seus corpos para alimentar seus
vermes.”
“Acalme-se Capitão. Falei apenas
para prepará-lo para o que podemos vir a encontrar. Você não se lembra do que
ocorreu com a filha do rei Hrothgarsson?”
Os dedos de Erik se fecharam
perigosamente próximos da traquéia de hautala. “Não será o mesmo agora.
Hrothgarsson era um tolo e fraco. Ele esperou muito para iniciar a perseguição.
Nós nórdicos sempre fomos os caçadores, nunca os caçados... Hrothgarsson
esqueceu disso e sua filha pagou com a vida por sua covardia”.
Hautala fez força para aliviar a
pressão em sua garganta. “Capitão, lutei a seu lado em muitas batalhas, e vim
com o senhor agora preparado para morrer para salvar sua filha. Por que me
desonra dessa forma?”
A expressão de Erik suavizou-se
na luz minguante do dia de inverno. “Sim, Hautala” Ele disse em voz pouco mais
alta do que um sussurro, “Você me serviu bem como guerreiro e como amigo, mas
seus choramingos constantes por cautela me irritam. Guerreiros não se preocupam
com cautela. Nós vencemos nossas batalhas com sangue.”
“Assim como os vargr, Capitão”
Erik fitou o homem menor por um
momento antes de colocá-lo de lado. Hautala abriu a boca, mas depois pensou
melhor. Agora não era o momento de confrontar Erik.
Havia muito pouco da luz do dia
restante, e Hautala temia que a noite seria longa demais.
A parte ocidental do céu estava vermelha
como fogo quando a proa do navio raspou contra
praia rochosa da ilha. Hautala fez um sinal, e dois homens pularam nas
águas geladas e começaram a afastar o casco do puxão sedutor da maré.
“Preparem-se, homens!” Erik
gritava enquanto retirava sua espada da bainha. “Uma recompensa em ouro para o
homem cuja lâmina matar a maior quantidade de vargr!”
Os guerreiros urraram um uma só
voz “Por Odin e por Signe, filha de Erik”
“E que ela possa ainda ser a
filha viva de Erik”, Hautala sussurrou para si mesmo.
“Então vamos dar início a nossa
vingança enquanto a luz do sol ainda brilha em nossas espadas.”
A ferocidade dos homens de guerra
preencheu a escuridão que se aproximava e dispersou as poucas criaturas vivas
que faziam da ilha seu lar. Mas mesmo ao puxar sua própria espada e ir atrás de
seu capitão, Hautala sabia que estavam correndo para uma batalha que tinham
poucas chances de vencer, a menos que Freyja pudesse de algum modo equilibrar a
própria cegueira do Lobo, vingativo e sedento de sangue.
Os homens alcançaram o cume da
baixa colina de areia grossa que separava a praia do terreno rochoso da ilha,
quando Erik os fez parar.
“Onde?” Ele perguntou, virando-se
para seu segundo em comando.
“Procure por uma caverna” Hautala
berrou, “É o único lugar que poderiam escapar do sol”.
“Nós procuramos por uma caverna”
Erik berrou. “Procurem, mas não deixem que nenhum homem adentre a caverna antes
de mim. Eu devo ser o primeiro a matar."
Os homens avançaram em ondas para
o coração silencioso da ilha como se um baú de tesouro estivesse a vista.
Berros e gritos preenchiam o crepúsculo. A caçada havia começado. Em breve o sangue,
dos vivos ou dos mortos que caminham, fluiriam como água. Hautala podia apenas
esperar que se seu sangue fosse derramado esta noite, que isso significasse sua
morte, e não o destino muito pior de um eterno vargr.
“Aqui!”
Inicialmente, o chamado ecoou
pelas rochas, não revelando uma direção. Em seguida, Olaf ergueu sua espada
sobre sua cabeça e gritou novamente. “Aqui, Capitão! Encontrei a caverna... e
isso aqui”.
Hautala sentiu seu coração
estremecer quando o jovem guerreiro levantou no ar o xale de uma mulher. O xale
estava rasgado e ensanguentado, mas não havia como confundir a lã branca nem os
fios azuis tecidos nas bordas do pano. Todos os homens estavam presentes quando
Erik havia pego este xale dos pertences saqueados de um nobre irlandês,
proclamando que seria um presente adequado para sua filha, Signe.
Erik gritou em ira e correu em
direção a Olaf. “Mostre-me a caverna!” Ele berrou.
“Não, Capitão!” Hautala gritou, “nós
precisamos de um plano, se formos para as trevas os vargr nos massacrarão!”
“Chega de sua covardia, Hautala”
Erik disse com raiva. O calor de sua ira resplandecia de dentro de seus olhos
frios de aço. “ Fique pra trás se quiser, e que sua alma imprestável vá para o
salão de Hel por causa de seu medo!”
Erik se virou na direção da
caverna e urrou o grito de guerra de sua família. Os guerreiros ecoaram este
grito e então se lançaram descendo a inclinação rochosa atrás de Erik.
Hautala hesitou.
Seu coração e sua mente lutavam
uma terrível batalha. Seu coração tentava forçar seu corpo para frente, ferido
pelo insulto a sua bravura. Sua mente segurava seu corpo, certa de que um
ataque de fúria seria um fracasso.
Repentinamente, assim que Erik e
seus homens alcançaram o limite das sombras das rochas maiores, uma figura
apareceu dentro da boca da caverna.
Os homens nórdicos pararam. Era
Signe.
“Pai!” Ela chamou. Sua voz era
trêmula “Você veio para me matar?”
Erik deu um único passo para frente,
abaixando um pouco sua espada. “Signe, eles feriram você? Você está bem?”
“Sim, pai. Estou bem. Por favor
abaixe sua arma. Venha até mim, me abrace.”
O queixo de Erik caiu, não
acreditando que ele hesitantemente se movia para frente. “Mas nós encontramos seu xale,” ele gaguejava, “o sangue”.
“Eu estou aqui diante dos seus
olhos, sem ferimentos. Por favor, pai. Quero estar em segurança dentro de seus
braços fortes. Por favor me abrace."
Lágrimas surgiram nos olhos de
Erik pois o amor por sua filha foi mais forte do que seu instinto de guerreiro.
Ele afastou sua espada da direção de Signe, mas não a retornou para a bainha.
Signe sorriu quando os grandes
braços de seu pai a circundaram no precioso abraço que se lembrava desde sua
infância. Sua barba áspera arranhava sua bochecha conforme ela se esticava para
remover-lhe o capacete.
Quase tão rápido para que fosse
possível ver, dois vargr avançaram rápidos vindo de trás de Signe e agarraram
os braços de Erik. Erik urrou em fúria e começou a lutar. Signe fechou as mãos,
segurou sua barba e moveu sua cabeça para o lado. Longas presas reluziram na
fraca luz conforme ela investia contra o pescoço desprotegido de seu pai.
“Não!” Gritou Hautala. “Voltem
para a luz do sol!”
Os homens nórdicos olharam uns
para os outros, percebendo que o sol havia se movido, os colocando dentro das
sombras das rochas. Antes que pudesse voltar para a luz, diversos vargr
avançaram contra eles como uma alcateia faminta. Muitos bravos guerreiros foram
derrubados depois de brandir suas armas em vão. Seus gritos de frustração e agonia
ecoaram no pequeno desfiladeiro de rochas tombadas.
Hautala urrou com intensidade,
descendo as rochas em direção a carnificina. Ele chegou a um ponto escorregadio
no limite das sombras. As cenas de horror o congelaram onde estava. Os vargr se
banqueteavam nas gargantas dos guerreiros nórdicos que se contorciam. Sangue
jorrava de diversas veias jugulares conforme os vampiros se alimentavam com
movimentos langorosos, sugando o líquido precioso.
Um vargr solitário se ergueu dos
corpos de homens nórdicos mortos e se movia furtivamente em direção a Hautala.
Hautala tropeçou para trás, agitando-se muito conforme caía. Os vargr se
lançaram, suas presas totalmente expostas cintilavam como adagas afiadas.
Hautala brandiu sua espada com toda sua força, atingindo o pescoço do vargr que
estava prestes a alcançá-lo. O corpo sem cabeça caiu a poucos centímetros a
esquerda de Hautala. A carcaça fumegou quando a fraca luz do sol, embora ainda potente,
tostou a carne morta.
Hautala subiu de volta e se
afastou ainda mais das sombras mortíferas, em seguida se colocou de pé. Ele
estremeceu com a medonha carnificina conforme os vargr restantes se moviam para
longe dos corpos drenados sem vida dos nórdicos. Eles partiram e Signe moveu-se
para frente.
“Hautala, o amigo de confiança e
camarada de meu pai, venha para mim. Eu conheço o seu rosto desde quando era
não mais do que uma criança. Beije minhas bochechas novamente tal como fazia
quando eu era pequena.”
“Seu demônio vil!” cuspiu hautala
“você não é a Signe que brincava a meus pés quando menina. Signe está morta!”
Não. Não morta. Estou
gloriosamente viva! Mais viva do que nunca estive antes. Como uma walkurie!”
Hautala se virou e começou a
correr pelas rochas, mantendo-se longe das sombras. Uma imagem surgiu em sua
mente, e com ela veio um plano. Ele havia visto uma floresta de arbustos
ressequidos não muito longe do lugar onde ele e os nórdicos deixaram seu longo
navio. Se fosse rápido, poderia pegar madeira seca, ficar de pé na fraca luz do
sol ainda brilhando no alto das rochas, incendiar a madeira e arremessá-la para
baixo nos vampiros.
O terreno escorregadio e cheio de
rochas desafiava cada passo que Hautala dava ao correr contra o pôr do sol. Ele
precisava ser cuidadoso, um tornozelo quebrado ou joelho deslocado o deixaria
quase indefeso no cair da noite. E ele sabia que com as trevas os vargr se
lançariam contra ele como abutres vorazes. Ele reuniu uma enorme braçada de
galhos e ervas secas. O desespero o permitiu carregar mais peso do que seria capaz
em circunstâncias normais. Movendo-se tão rápido quanto ousava, Hautala
disparava da floresta moribunda até as rochas acima da caverna amaldiçoada. Em
seguida voltava novamente, ganhando velocidade em cada viagem, conforme seus
olhos atentos mediam a descida do sol.
Os vampiros chamavam por ele, o seduzindo
a descer e receber o Abraço e pertencer a seu clã, mas nenhum ousava deixar a
proteção das sombras. Hautala os ignorou com a intensidade de um homem determinado
a realizar um único objetivo. Em pouco tempo as súplicas se transformaram em
xingamentos quando os vampiros deduziram seu plano.
Finalmente, Hautala parou,
esperançoso de ter reunido combustível suficiente para transformar a caverna maldita
dos vampiros num inferno. O ar gelado chiava adentrando em seus pulmões
trêmulos quando procurava apalpando sua túnica de peles pela bolsa que continha
pedras de sílex. Suas mãos tremiam conforme ele batia as pedras perto de uma
pequena pilha de musgo ressequido. Na quinta tentativa, o musgo pegou fogo.
Hautala cuidadosamente trouxe o musgo pegando fogo até seu monte de galhos e
arbustos. Quando a madeira e as folhas se incendiavam, ele as lançava para
baixo, para a boca da caverna.
Os vampiros guinchavam
furiosamente e com terror, pois muitos dos projéteis incandescentes atingiam
seus alvos, incendiando assim a carne morta dos vargr. Vampiros queimando em
agonia corriam para as profundezas da caverna, incendiando não intencionalmente
seus companheiros mortos vivos.
Hautala caiu em exaustão depois
de lançar para baixo o último arbusto. O interior da caverna queimava
intensamente conforme a madeira e corpos queimados alimentavam a pira. Na luz
vacilante ele não era capaz de detectar movimento abaixo. Quando recuperou suas
forças o suficiente, Hautala se levantou e voltou para o longo barco que o
aguardava. Apenas um brilho fraco restava no horizonte ocidental quando Hautala
chegou na praia. A escuridão da noite estava quase completa. Hautala respirou
profundamente algumas vezes, então posicionou seu ombro contra a proa do navio
e então remou com todas suas forças que ainda restavam.
O pesado casco de madeira não se
moveu 1 milímetro. Hautala ofegou, e remou
novamente.
Ele precisava sair dessa ilha
maldita. Quão profunda era aquela caverna? Quantos aftergangers haviam sobrevivido ao fogo?
Ele remou e remou até não lhe
restar força alguma. Sua única esperança agora era esperar pela maré alta para
levantar o casco o suficiente para que ele pudesse levá-lo de volta ao mar.
Repentinamente, uma voz ecoou não
muito distante nas rochas áridas.
“Hautala!” A voz chamava.
Era a voz de Erik.
“Eu me enganei ao considerá-lo um
covarde. Você é o guerreiro mais bravo e inteligente que eu já conheci. Venha. Junte-se
a mim mais uma vez, velho amigo”.
Traduzido por acodesh - Fonte Wolves of the Sea págs 5 até 9
Obs.: Afterganger é um termo
comum escandinavo para designar um vampiro. Vargr é um termo nórdico para ”lobo”,
usado para se referir a foras da lei e para membros do clã gangrel.
Um comentário:
adoro esse conto inicial porém ainda prefiro a do clãbook malkaviano
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