segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

Introdução - Livro Wolves of the Sea


O vento uivava com a voz da morte...

    O vento uivava com a voz da morte. Hautala puxou sua capa para mais próximo de seu peito conforme o grande barco se aproximava da praia de águas geladas. O ar estava frio, congelante, mas não tão frio como os olhares intensos que sentia com sua nuca. Como um finlandês, estava constantemente ciente da necessidade de provar seu valor para seu bando de nórdicos ferozes. Erik, o Lobo, se movia com facilidade pelo convés congelado para ficar ao lado de Hautala, seu segundo em comando. Os calafrios se intensificaram.

“Você tem certeza de que esta é a ilha correta?” Erik rosnou.

    Hautala vacilou. “Sim, Capitão. Esta é a única ilha que eles poderiam ter alcançado antes do nascer do sol desta manhã. Erik jogou sua capa de lado, mostrando seu desdém com o frio e com seu segundo em comando, e ignorou o gelo que instantaneamente começou a se formar  em sua túnica de couro. Ele não era conhecido como “Lobo” simplesmente por sua sede de sangue em batalha, mas também por seu temperamento em todos os outros assuntos.

“Mas chegamos a tempo?”

    Hautala hesitou, incerto da reação que sua resposta verdadeira provocaria. Mas sua honra exigia que dissesse a dura verdade a qualquer preço.

“Capitão, temo que mesmo agora já seja tarde demais. Os vargr certamente mataram sua filha ou a transformaram numa deles. Eu rezo para que ela esteja morta.

    A enorme mão de Erik esmagou o gelo na capa de Hautala conforme puxou o homem para perto de si.

“Guarde sua língua, Hautala. Ou eu a removerei e a darei para meus cães. Minha filha está viva e bem. Eles a levaram por um resgate. Tenho certeza disso. Se eles a feriram de alguma forma, nem mesmo Odin encontrará o suficiente de seus corpos para alimentar seus vermes.”

“Acalme-se Capitão. Falei apenas para prepará-lo para o que podemos vir a encontrar. Você não se lembra do que ocorreu com a filha do rei Hrothgarsson?”

   Os dedos de Erik se fecharam perigosamente próximos da traquéia de hautala. “Não será o mesmo agora. Hrothgarsson era um tolo e fraco. Ele esperou muito para iniciar a perseguição. Nós nórdicos sempre fomos os caçadores, nunca os caçados... Hrothgarsson esqueceu disso e sua filha pagou com a vida por sua covardia”.

   Hautala fez força para aliviar a pressão em sua garganta. “Capitão, lutei a seu lado em muitas batalhas, e vim com o senhor agora preparado para morrer para salvar sua filha. Por que me desonra dessa forma?”
    A expressão de Erik suavizou-se na luz minguante do dia de inverno. “Sim, Hautala” Ele disse em voz pouco mais alta do que um sussurro, “Você me serviu bem como guerreiro e como amigo, mas seus choramingos constantes por cautela me irritam. Guerreiros não se preocupam com cautela. Nós vencemos nossas batalhas com sangue.”

“Assim como os vargr, Capitão”

    Erik fitou o homem menor por um momento antes de colocá-lo de lado. Hautala abriu a boca, mas depois pensou melhor. Agora não era o momento de confrontar Erik.

Havia muito pouco da luz do dia restante, e Hautala temia que a noite seria longa demais.
A parte ocidental do céu estava vermelha como fogo quando a proa do navio raspou contra  praia rochosa da ilha. Hautala fez um sinal, e dois homens pularam nas águas geladas e começaram a afastar o casco do puxão sedutor da maré.

“Preparem-se, homens!” Erik gritava enquanto retirava sua espada da bainha. “Uma recompensa em ouro para o homem cuja lâmina matar a maior quantidade de vargr!”

Os guerreiros urraram um uma só voz “Por Odin e por Signe, filha de Erik”

“E que ela possa ainda ser a filha viva de Erik”, Hautala sussurrou para si mesmo.

“Então vamos dar início a nossa vingança enquanto a luz do sol ainda brilha em nossas espadas.”

    A ferocidade dos homens de guerra preencheu a escuridão que se aproximava e dispersou as poucas criaturas vivas que faziam da ilha seu lar. Mas mesmo ao puxar sua própria espada e ir atrás de seu capitão, Hautala sabia que estavam correndo para uma batalha que tinham poucas chances de vencer, a menos que Freyja pudesse de algum modo equilibrar a própria cegueira do Lobo, vingativo e sedento de sangue.
    Os homens alcançaram o cume da baixa colina de areia grossa que separava a praia do terreno rochoso da ilha, quando Erik os fez parar.

“Onde?” Ele perguntou, virando-se para seu segundo em comando.

“Procure por uma caverna” Hautala berrou, “É o único lugar que poderiam escapar do sol”.

“Nós procuramos por uma caverna” Erik berrou. “Procurem, mas não deixem que nenhum homem adentre a caverna antes de mim. Eu devo ser o primeiro a matar."

    Os homens avançaram em ondas para o coração silencioso da ilha como se um baú de tesouro estivesse a vista. Berros e gritos preenchiam o crepúsculo. A caçada havia começado. Em breve o sangue, dos vivos ou dos mortos que caminham, fluiriam como água. Hautala podia apenas esperar que se seu sangue fosse derramado esta noite, que isso significasse sua morte, e não o destino muito pior de um eterno vargr.

“Aqui!”

Inicialmente, o chamado ecoou pelas rochas, não revelando uma direção. Em seguida, Olaf ergueu sua espada sobre sua cabeça e gritou novamente. “Aqui, Capitão! Encontrei a caverna... e isso aqui”.

    Hautala sentiu seu coração estremecer quando o jovem guerreiro levantou no ar o xale de uma mulher. O xale estava rasgado e ensanguentado, mas não havia como confundir a lã branca nem os fios azuis tecidos nas bordas do pano. Todos os homens estavam presentes quando Erik havia pego este xale dos pertences saqueados de um nobre irlandês, proclamando que seria um presente adequado para sua filha, Signe.

Erik gritou em ira e correu em direção a Olaf. “Mostre-me a caverna!” Ele berrou.

“Não, Capitão!” Hautala gritou, “nós precisamos de um plano, se formos para as trevas os vargr nos massacrarão!”

“Chega de sua covardia, Hautala” Erik disse com raiva. O calor de sua ira resplandecia de dentro de seus olhos frios de aço. “ Fique pra trás se quiser, e que sua alma imprestável vá para o salão de Hel por causa de seu medo!”

    Erik se virou na direção da caverna e urrou o grito de guerra de sua família. Os guerreiros ecoaram este grito e então se lançaram descendo a inclinação rochosa atrás de Erik.

Hautala hesitou.

    Seu coração e sua mente lutavam uma terrível batalha. Seu coração tentava forçar seu corpo para frente, ferido pelo insulto a sua bravura. Sua mente segurava seu corpo, certa de que um ataque de fúria seria um fracasso.
   Repentinamente, assim que Erik e seus homens alcançaram o limite das sombras das rochas maiores, uma figura apareceu dentro da boca da caverna.

Os homens nórdicos pararam. Era Signe.

“Pai!” Ela chamou. Sua voz era trêmula “Você veio para me matar?”

Erik deu um único passo para frente, abaixando um pouco sua espada. “Signe, eles feriram você? Você está bem?”

“Sim, pai. Estou bem. Por favor abaixe sua arma. Venha até mim, me abrace.”

O queixo de Erik caiu, não acreditando que ele hesitantemente se movia para frente. “Mas nós encontramos  seu xale,” ele gaguejava, “o sangue”.

“Eu estou aqui diante dos seus olhos, sem ferimentos. Por favor, pai. Quero estar em segurança dentro de seus braços fortes. Por favor me abrace."

    Lágrimas surgiram nos olhos de Erik pois o amor por sua filha foi mais forte do que seu instinto de guerreiro. Ele afastou sua espada da direção de Signe, mas não a retornou para a bainha.
Signe sorriu quando os grandes braços de seu pai a circundaram no precioso abraço que se lembrava desde sua infância. Sua barba áspera arranhava sua bochecha conforme ela se esticava para remover-lhe o capacete.
    Quase tão rápido para que fosse possível ver, dois vargr avançaram rápidos vindo de trás de Signe e agarraram os braços de Erik. Erik urrou em fúria e começou a lutar. Signe fechou as mãos, segurou sua barba e moveu sua cabeça para o lado. Longas presas reluziram na fraca luz conforme ela investia contra o pescoço desprotegido de seu pai.

“Não!” Gritou Hautala. “Voltem para a luz do sol!”

  Os homens nórdicos olharam uns para os outros, percebendo que o sol havia se movido, os colocando dentro das sombras das rochas. Antes que pudesse voltar para a luz, diversos vargr avançaram contra eles como uma alcateia faminta. Muitos bravos guerreiros foram derrubados depois de brandir suas armas em vão. Seus gritos de frustração e agonia ecoaram no pequeno desfiladeiro de rochas tombadas.
   Hautala urrou com intensidade, descendo as rochas em direção a carnificina. Ele chegou a um ponto escorregadio no limite das sombras. As cenas de horror o congelaram onde estava. Os vargr se banqueteavam nas gargantas dos guerreiros nórdicos que se contorciam. Sangue jorrava de diversas veias jugulares conforme os vampiros se alimentavam com movimentos langorosos, sugando o líquido precioso.
   Um vargr solitário se ergueu dos corpos de homens nórdicos mortos e se movia furtivamente em direção a Hautala. Hautala tropeçou para trás, agitando-se muito conforme caía. Os vargr se lançaram, suas presas totalmente expostas cintilavam como adagas afiadas. Hautala brandiu sua espada com toda sua força, atingindo o pescoço do vargr que estava prestes a alcançá-lo. O corpo sem cabeça caiu a poucos centímetros a esquerda de Hautala. A carcaça fumegou quando  a fraca luz do sol, embora ainda potente, tostou a carne morta.
   Hautala subiu de volta e se afastou ainda mais das sombras mortíferas, em seguida se colocou de pé. Ele estremeceu com a medonha carnificina conforme os vargr restantes se moviam para longe dos corpos drenados sem vida dos nórdicos. Eles partiram e Signe moveu-se para frente.

“Hautala, o amigo de confiança e camarada de meu pai, venha para mim. Eu conheço o seu rosto desde quando era não mais do que uma criança. Beije minhas bochechas novamente tal como fazia quando eu era pequena.”

“Seu demônio vil!” cuspiu hautala “você não é a Signe que brincava a meus pés quando menina. Signe está morta!”

Não. Não morta. Estou gloriosamente viva! Mais viva do que nunca estive antes. Como uma walkurie!”

   Hautala se virou e começou a correr pelas rochas, mantendo-se longe das sombras. Uma imagem surgiu em sua mente, e com ela veio um plano. Ele havia visto uma floresta de arbustos ressequidos não muito longe do lugar onde ele e os nórdicos deixaram seu longo navio. Se fosse rápido, poderia pegar madeira seca, ficar de pé na fraca luz do sol ainda brilhando no alto das rochas, incendiar a madeira e arremessá-la para baixo nos vampiros.
   O terreno escorregadio e cheio de rochas desafiava cada passo que Hautala dava ao correr contra o pôr do sol. Ele precisava ser cuidadoso, um tornozelo quebrado ou joelho deslocado o deixaria quase indefeso no cair da noite. E ele sabia que com as trevas os vargr se lançariam contra ele como abutres vorazes. Ele reuniu uma enorme braçada de galhos e ervas secas. O desespero o permitiu carregar mais peso do que seria capaz em circunstâncias normais. Movendo-se tão rápido quanto ousava, Hautala disparava da floresta moribunda até as rochas acima da caverna amaldiçoada. Em seguida voltava novamente, ganhando velocidade em cada viagem, conforme seus olhos atentos mediam a descida do sol.
    Os vampiros chamavam por ele, o seduzindo a descer e receber o Abraço e pertencer a seu clã, mas nenhum ousava deixar a proteção das sombras. Hautala os ignorou com a intensidade de um homem determinado a realizar um único objetivo. Em pouco tempo as súplicas se transformaram em xingamentos quando os vampiros deduziram seu plano.
   Finalmente, Hautala parou, esperançoso de ter reunido combustível suficiente para transformar a caverna maldita dos vampiros num inferno. O ar gelado chiava adentrando em seus pulmões trêmulos quando procurava apalpando sua túnica de peles pela bolsa que continha pedras de sílex. Suas mãos tremiam conforme ele batia as pedras perto de uma pequena pilha de musgo ressequido. Na quinta tentativa, o musgo pegou fogo. Hautala cuidadosamente trouxe o musgo pegando fogo até seu monte de galhos e arbustos. Quando a madeira e as folhas se incendiavam, ele as lançava para baixo, para a boca da caverna.
   Os vampiros guinchavam furiosamente e com terror, pois muitos dos projéteis incandescentes atingiam seus alvos, incendiando assim a carne morta dos vargr. Vampiros queimando em agonia corriam para as profundezas da caverna, incendiando não intencionalmente seus companheiros mortos vivos.
   Hautala caiu em exaustão depois de lançar para baixo o último arbusto. O interior da caverna queimava intensamente conforme a madeira e corpos queimados alimentavam a pira. Na luz vacilante ele não era capaz de detectar movimento abaixo. Quando recuperou suas forças o suficiente, Hautala se levantou e voltou para o longo barco que o aguardava. Apenas um brilho fraco restava no horizonte ocidental quando Hautala chegou na praia. A escuridão da noite estava quase completa. Hautala respirou profundamente algumas vezes, então posicionou seu ombro contra a proa do navio e então remou com todas suas forças que ainda restavam.
   O pesado casco de madeira não se moveu 1 milímetro.  Hautala ofegou, e remou novamente.
Ele precisava sair dessa ilha maldita. Quão profunda era aquela caverna? Quantos aftergangers haviam sobrevivido ao fogo?
   Ele remou e remou até não lhe restar força alguma. Sua única esperança agora era esperar pela maré alta para levantar o casco o suficiente para que ele pudesse levá-lo de volta ao mar.

Repentinamente, uma voz ecoou não muito distante nas rochas áridas.

“Hautala!” A voz chamava.

Era a voz de Erik.

“Eu me enganei ao considerá-lo um covarde. Você é o guerreiro mais bravo e inteligente que eu já conheci. Venha. Junte-se a mim mais uma vez, velho amigo”.

Traduzido por acodesh - Fonte Wolves of the Sea págs 5 até 9

Obs.: Afterganger é um termo comum escandinavo para designar um vampiro. Vargr é um termo nórdico para ”lobo”, usado para se referir a foras da lei e para membros do clã gangrel.

Um comentário:

henrique disse...

adoro esse conto inicial porém ainda prefiro a do clãbook malkaviano

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