Porque textos da segunda edição como este são foda demais!!
Eu não pedi por esta existência
sem fim. Não conheço ninguém que a tenha pedido, exceto o príncipe romeno das
fábulas, Vlad Filho do Dragão, Lorde dos Inconnu. Não pedi por uma existência
que é uma zombaria de tudo que amei e de tudo que sonhei atingir. Não pedi para
ver tudo que amava perecer nas brasas ardentes da inevitabilidade. Não pedi
para ver as marés do tempo lavarem até mesmo as maiores conquistas de meu
tempo. Não pedi para ver meu mundo afundado na fornalha das mudanças
escaldantes, no qual tudo que conheci foi reduzido a nada e substituído com
pessoas tão estranhas, aparelhos tão bizarros e costumes tão esquisitos que
preciso sempre me esforçar para compreender as excêntricas novas maneiras,
miraculosas máquinas modernas e incompreensíveis novos modos de linguagem. Mal
consigo acreditar que este é o mesmo planeta no qual nasci. Não posso ir para
os lugares que cresci, visitar meus antigos amigos ou buscar a afeição de meus
antigos amores. Eles não existem mais. Não posso mais andar por regiões rurais
por dias sem ver uma única alma. Eu não pedi por tudo isto, contudo, aqui
estou. Não pedi por uma eternidade de uma crescente decadência e decrescente
alegria. Mas aqui estou, um ancião perplexo, cansado e vazio, perguntando-se
para onde este mundo foi, para onde seus amores foram, para onde sua vida foi.
Os desafios diante de mim parecem
intransponíveis. Os recursos sob meu comando parecem limitados. A esperança e
zelo que ardiam em minha juventude são como cinzas frias em minha idade, e
agora temo este tipo de chama. Estou aprisionado num papel reduzido, no qual
tenho poucas escolhas. Portanto, dentro do confinamento de
minha situação, faço o que bem quero, e conheço poucos de meus inimigos e críticos que fariam, ou que
seriam capazes de fazer, outra coisa caso estivessem em meu lugar. Contudo, a
cada nova atitude, a cada nova punição a um anarquista, a cada nova repelida
das incursões do sabá, a cada nova depredação da sociedade mortal e sua vitae,
eu morro uma iota. Mas todas as outras opções – o comprometimento da Camarilla,
a quebra da Máscara – são um convite ao caos. A única outra escolha é a morte
em etapas, a morte da vida que não quis, mas que também não quero perder.
Conforme meu sangue antigo envelhece, menos e menos se infla de emoção. Eu poderia administrar minhas
propriedades tão friamente como um autômato. Onde antes o menor desprezo percebido inflamaria minhas paixões,
agora somente as ofensas mais sérias provocam alguma reação; eu preciso me
forçar para reagir a qualquer coisa menor do que isto. Com frequência sinto a
indignação do orgulho ferido, mas raramente ira em relação a injustiças
cometidas. Embora minha mente frequentemente esteja nublada pela devastação da
maldição de Caim, posso ver claramente uma parte íntima de meu ser: meu sangue
coagulado só se comove quando confrontado por um desafio direto a minha
vaidade. Incursões em minhas propriedades não me provocam do mesmo modo que um
anarquista insolente. A perda de uma dúzia de carniçais para a selvageria dos
lupinos me causa a mesma emoção de um escrivão contabilizando seus livros;
substituições precisam ser feitas. Mas se um carniçal questiona minhas ordens,
sinto a fúria de um leão. Em momentos de reflexão posterior, saboreio os
agradáveis efeitos de meu ultraje. E se humilho completamente um oponente de
valor de forma que isso não resulte num ciclo destrutivo de represálias, e se
destaco-me em glória diante da corte, então – e só então sinto êxtase. A emoção
é semelhante aquela da primeira vez em que me saciei com sangue fresco, talvez
ainda mais intensa. Embora eu despreze e tenha receio dos intermináveis
conflitos de palavras entoadas na corte do príncipe, nos salões do Elíseo e nas
ruas da cidade, eu os saboreio com a perversidade conhecida apenas pelos
poderosos e amaldiçoados.
Eu sou solitário, mas sou
poderoso. Eu farei tudo que puder para trazer emoção para esta zombaria do que
uma vez foi meu perfeito corpo humano, esta carcaça de carne morta, esta
infeliz prisão sugadora de sangue. Se for preciso que eu lance uma rajada de
palavras danosas de ódio sobre meus inimigos na corte, que assim seja. Se for preciso que eu arbitrariamente esmague as ambições de um anarquista perspicaz
e habilidoso, que assim seja. Se for preciso que eu caprichosamente desvie o
curso de uma alegre aspiração mortal, que assim seja. Para que assim os anarquistas
pensem que eu vivo para tornar suas vidas miseráveis. Certamente ficariam absurdamente
surpresos se descobrissem que estão certos!
O simples fato de escrever estas
palavras me estremece de terror, que ao passar deixa-me estranhamente
revigorado. Embora nunca viesse a falar com tal dolorosa e perigosa franqueza,
me anima vê-la refletida no escurecido espelho de minha alma, e admití-la a mim
mesmo a plena luz – luz que toda minha espécie detesta. Se você for bem
sucedido em despertar minha ira, terá de me perdoar se não exprimir meu
agradecimento secreto enquanto lhe esfolo vivo. E se for bem sucedido em
suscitar-me um imenso ÓDIO, saiba, em seus momentos finais de intolerável agonia, que eu o amo com toda minha alma.
- Redondo de Valquez,
Abraçado por Ishaq Ibn Ibrahim,
Que por sua vez fora abraçado por
Iontius,
Que por sua vez fora abraçado por
Arikel,
Que por sua vez fora abraçado por
Enosh,
Que por sua vez fora abraçado por
Caim.
Traduzido por Acodesh
Fonte: Livro Elysium, págs 6 e 7
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